15.11.11

instantes



Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros.

Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido, na verdade bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiênico.
Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da vida, claro que tive momentos de alegria.
Mas se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.
Porque, se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos, não percas o agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas. Se voltasse a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas já viram, tenho oitenta e cinco anos e sei que estou morrendo.
(Jorge Luís Borges)

27.6.11

água pura água

Escutemos com mais atençao o nosso corpo... e essas conclusoes cientificas ocidentais tao obvias, dadas como grandes descobertas (oooh!), passam a ser um conhecimento natural, direto, na nossa propria experiencia... somos feitos de agua (e nao gelada!)... ela sempre foi e sempre sera a melhor amiga da saude, sem falar no prazer que nos proporciona... 




Alguém, poderia me explicar por gentileza. Para que tomar vitamina C se a encontramos  naturalmente num bom suco de laranja ou acerola? preguiça de fazer o suco?
Quanta porcaria ainda colocamos para dentro de no's, refrigerantes, gorduras, conservantes, aromatizantes, corantes, miojantes, programas de televisao populares, novelas sobre a vida real (da zona sul), jornais comprometidos com a "verdade"... como nao ficar doente?

saravah

(Thiago Hortala)






Foto: Sol
Foto: Sol

10.5.11

para ver as meninas

Foto: Sol
Silêncio por favor/ Enquanto esqueço um pouco a dor no peito/ Não diga nada sobre meus defeitos/ Eu não me lembro mais quem me deixou assim/ Hoje eu quero apenas/ Uma pausa de mil compassos/ Para ver as meninas/ E nada mais nos braços/ Só este amor assim descontraído/ Quem sabe de tudo não fale/ Quem não sabe nada se cale/ Se for preciso eu repito/ Porque hoje eu vou fazer/ Ao meu jeito eu vou fazer/ Um samba sobre o infinito/ Porque hoje eu vou fazer/ Ao meu jeito eu vou fazer/ Um samba sobre o infinito.



(Paulinho da Viola)

14.4.11

o bocó


“Quando o moço estava a catar caracóis e pedrinhas na beira do rio até duas horas da tarde, ali também Nhá Velina Cuê estava. A velha paraguaia de ver aquele moço a catar caracóis na beira do rio até duas horas da tarde, balançou a cabeça de um lado para o outro ao gesto de quem estivesse com pena do moço, e disse a palavra bocó. O moço ouviu a palavra bocó e foi para casa correndo a ver nos seus trinta e dois dicionários que coisa era ser bocó. Achou cerca de nove expressões que sugeriam símiles a tonto. E se riu de gostar. E separou para ele os nove símiles. Tais: Bocó é sempre alguém acrescentado de criança. Bocó é uma exceção de árvore. Bocó é um que gosta de conversar bobagens profundas com as águas. Bocó é aquele que fala sempre com sotaque das suas origens. É sempre alguém obscuro de mosca. É alguém que constrói sua casa com pouco cisco. É um que descobriu que as tardes fazem parte de haver beleza nos pássaros. Bocó é aquele que olhando para o chão enxerga um verme sendo-o.Bocó é uma espécie de sânie com alvoradas. Foi o que o moço colheu em seus trinta e doisdicionários. E ele se estimou”.
(Manoel de Barros)

Foto: Sol

26.11.10

leveza das crianças

Foto: Sol
Foto: Sol


Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,
mais leve.
E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.
E o que lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto,
mais leve.
E o desejo rápido
desse mais antigo instante,
mais leve.
E a fuga invisível
do amargo passante,
mais leve.
(Cecília Meireles)


18.9.10

vó maria

Foto: Sol

aldeia limao verde amambai mato grosso do sul

Foto: Sol

lição para a sociedade civilizada

Durante a longa permanência entre os índios, a única contribuição que talvez lhes tenhamos dado, foi mostrar aos civilizados que o índio brasileiro não é um selvagem agressivo e destruidor. Nós trouxemos a notícia de que eles constituem uma sociedade tranqüila, alegre. Ali, ninguém manda em ninguém. O velho é dono da história; o índio, dono da aldeia e a criança, dona do mundo. Nesse tempo todo em que vivemos perto deles, nunca assistimos a uma discussão, a uma desavença na aldeia ou a uma briga de marido e mulher. Se a criança faz alguma coisa que o pai desaprova, ele não a repreende. Apenas a tira de onde está e a leva para outro lugar. É admirável, também, o respeito que os pequenos têm pela natureza, valor que adquirem observando o comportamento dos mais velhos.
O chefe, ou cacique, é o líder cultural da aldeia. Ele goza de muitas prerrogativas, mas deve observar uma série de restrições: não pode falar alto, nem rir ou fazer gestos bruscos, por exemplo. Sua função não é impor regulamentos nem determinar tarefas, mas estabelecer uma ligação entre a comunidade e os pajés que se reúnem todas as tardes para conversar, fumar e deliberar sobre o bom andamento da tribo. O cacique não participa da conversa. Apenas ouve o que está sendo dito e na manhã seguinte, segurando o arco numa das mãos, dirige-se ao povo que se junta diante de sua maloca para escutar as recomendações dos pajés e, em seguida, colocá-las em prática. Supostamente os pajés nunca erram porque não têm outra preocupação além de ficar zelando pelo bem-estar da comunidade.
Quando colocamos a possibilidade do diálogo entre os diferentes povos e culturas como horizonte a ser alcançado, precisamos logo esclarecer que ele pressupõe que os povos estejam fortalecidos e seguros (quanto à questão de suas terras; quanto à sua identidade étnica e nas suas relações com ‘os outros’) (DIAS DA SILVA, 1997b, p.61).

19.3.10

lamentos

Estou aqui para lamentar, desabafar, explodir...
Tanta hipocrisia, tanta ganancia e tanta mentira!
Estou vendo o caminho da destruição do planeta! Choro por dentro. Choro que doí, fere a alma.
Enquanto tivermos pessoas ignorantes no pior sentido da palavra no poder, íremos penar como simples seres que somos.
Uma árvore quando cai, lá se vai um pedaço de mim, dos meus ideiais, das minhas crenças e razões de viver... somos inocentes, ingênuos e indefesos contra o mal do dinheiro e da corrupção, os que podem se aproveitam e nos escravizam, enxergamos e somos  indefesos sem união.
Me sinto com as mãos atadas contra tanta injustiça... parece que somos incapazes... de repente nos vemos numa conspiração que mais parece ficção, somos podados e manípulados. 
Sou e serei até o fim contra todos os projetos mega-faraonicos para acelerar o crescimento causando injustiças, desrespeitando o ser-humano, desrespeitando os animais, as plantas que poderiam nos curar de muitos males, desrespeitando a vida, a nossa mãe Natureza. Há quem prefira ir à igrejas buscar um Deus que nos proteja. Onde encontro o meu Deus? Está tão a nossa vista que é díficil perceber...
Salve a Natureza!
Salve o Xingu!
Para  ter um pouco de paz de espírito gosto de ler Manoel de Barros, ilustríssimo poeta!

''A maior riqueza do homem é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.
Não aguento ser apenas um sujeito que abre as portas, que puxa as válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas''.
(Manoel de Barros)

9.2.10

colônia bom dia

Foto: Sol

o passado e a colônia bom dia

Foto: Sol

maria do mato

Foto: Sol

roda

Vocês devem ter notado que tudo o que o índio faz movimenta-se em círculo ou tem forma de círculo. O Poder do Mundo trabalha sempre de forma circular e tudo tende a ter a perfeição do círculo. O céu é redondo e a terra também, bem como as estrelas. O vento rodopia e os pássaros constroem seus ninhos de forma circular; as leis deles são semelhantes às nossas. Até mesmos as estações seguem uma grande roda nas suas mudanças, voltando sempre ao ponto de partida. A vida do homem é um círculo: de uma infância à outra. E assim é em tudo onde o poder se movimenta. Alce Negro (1863-1950) Xamã Oglala Sioux

os sete monstros

Foto: Sol
Kerana, filha de Marangatu foi capturada pela personificação ou espírito mau chamado Tau e juntos tiveram sete filhos que foram amaldiçoados pela grande deusa Arasy, e todos, exceto um, nasceram como monstros horríveis.
De acordo com uma das versões do mito, ele deixa a floresta e percorre as vilas procurando por crianças que não descansam durante a sesta. Embora seja naturalmente invisível, ele se mostra a essas crianças e aquelas que vêem seu cajado caem em transe ou ficam catalépticas. Algumas versões dizem que essas crianças são levadas para um local secreto da floresta, onde brincam até o fim da sesta, quando recebem um beijo mágico que as devolve a suas camas, sem memória da experiência.
Outras são menos claras, onde as crianças são transformadas em feras ou entregues ao seu irmão Ao Ao, uma criatura canibal que se alimenta delas.
É descrito ainda como sendo canibal devorador de gente. Embora sua descrição física seja claramente inumana, é meio humana por nascimento, então o termo canibal se aplicaria. De acordo com a maioria das versões do mito, quando localiza uma vítima para sua próxima refeição, persegue o infeliz humano por qualquer distância ou em qualquer território, não parando até conseguir sua refeição.
Se a presa tentar escapar subindo em uma árvore, o Ao Ao circundará a mesma, uivando incessantemente e cavando as raízes até a árvore cair. De acordo com o mito, a única árvore segura para escapar seria a palmeira, que conteria algum poder contra o Ao Ao, e se a vítima conseguisse subir em uma, ele desistiria e sairia em busca de outra refeição. O Ao Ao também teria a função de levar as crianças desobedientes para seu irmão, deus da morte e tudo relacionado a ela. É uma criatura da mitologia guarani, detentora do poder sobre a morte. Acredita-se que seja semelhante a um macaco de olhos vermelhos, com barbatanas de peixe e um enorme falo (de anta). Seu nome é derivado do nome de outra criatura mitológica, o lobisomem.
Tupã na língua tupi significa ‘trovão’, não sendo exatamente um deus, mas sim uma manifestação de um deus na forma do som do trovão.
Câmara Cascudo afirma que, na verdade o conceito "Tupã " já existia, não como divindade, mas como conotativo para o som do trovão (Tu-pá, Tu-pã ou Tu-pana, golpe/baque estrondeante), portanto, não passava de um efeito, cuja causa o índio desconhecia e, por isso mesmo temia.
"A despeito da singela idéia religiosa que os caracterizava, tinha noção de Ente Supremo, cuja voz se fazia ouvir nas tempestades – Tupã-cinunga ou "trovão", cujo reflexo luminoso era Tupãberaba, ou relâmpago",
Antes dos jesuítas catequizarem os índios, Tupã representava um alto divino, era o sopro, a vida, e o homem a flauta em pé, que ganha a vida com o fluxo que por ele passa.
"Tudo está ligado, como o sangue que une uma família.
Todas as coisas estão ligadas.
O que acontece à Terra recai sobre os filhos da Terra.
Não foi o homem que teceu a trama da vida.
Ele é só um fio dentro dela.
Tudo o que ele fizer à teia estará fazendo a si mesmo."
Chefe Seattle (1856)
..."tudo na terra tem um propósito, cada doença uma erva para curar , cada pessoa uma missão a cumprir". Esta é a concepção dos índios sobre a existência...
-Christine Quintasket (índia Salish) 1888-1936

21.1.10

cozinha da vó Maria

Na casa da vó Maria tinha uma cozinha muito especial, cheia de buracos, onde os adultos tomavam chimarrão e batiam papo até altas horas da madruga... só me lembro de adormecer ouvindo aquelas vozes familiares que me berçavam...

29.11.09

Fotos: Thiago Hortala
Foto: Sol

terra vermelha

Parece que sangra, vermelho sangue.
Já foi cenário de guerra entre dois irmãos,
Fronteira imaginária, Brasil e Paraguai, duas culturas que se misturam e insistem em não se misturar.
Terra de poeira vermelha das carreiras, das boiadas em comitiva, dos bailes na casa de taipa da vó Maria e do vô Bininho.
Cadê a lagoa? Orquestra sinfônica de sapos e rãs?
Cadê nosso cerrado?
Tão belo com florestas nativas: guavira, curupaí, ariticum, ipê...
Lembro-me do tempo em que a vó Maria e minha mãe lavavam roupas no Córrego Jogui.
Trouxas e trouxas, enquanto eu e minhas irmãs nadavámos no riacho de águas claras. O Jogui.
De vez em quando elas paravam de sussurrar e com um grito, um aviso.
- Cuidado, vocês podem escorregar crianças.
Paravamos de rir por um segundo, depois aquele éco de aviso ía desaparecendo e continuávamos a brincar.
Em agosto, que ventania, as tias diziam.
- Cuidado que é mês de cachorro louco!
- Cuidado com o tio Adão, ele vira lobisomem.
Eu acreditava, pois o via passar com um saco cheio de ossos nas costas, com um jeito de andar esquisito, meio perneta, mal sabia eu, que a geléia de mocotó que eu adorava proviera daquela cena bizarra.
Lembro-me da minha mãe com as suas irmãs saindo para a colheita de algodão para juntar uns mirréis extras para comprar tecidos na loja da Dona Verinha, na cidade.
Era um trabalho feito com amor, pensando depois nos vestidos lindos que teriam no final do ano.
Enquanto isso, eu e minhas irmãs passavámos o dia abaixo de uma árvore cuidando a comida para que as formigas e outros bichos não devorassem tudo. O que mais me agoniava eram aquelas lagartas listradas por toda parte.
O tempo passava devagar. Eu via as árvores crescendo junto comigo, as vezes parece até que já vive uns duzentos anos, será?
No final do ano era uma festa só, já em outubro a vó começava a falar que as visitas vinham chegando, e como demorava!
Os bem-te-vis não paravam de cantar, o pica-pau tinha até nome e as seriemas só me deixavam mais triste com seu cantar tão melancólico.
De noite que escuridão!
Eu não tinha medo, gostava do perigo, daquela sensação de que algo íncrivelmente extraordinário iria acontecer. Gostava de ouvir o cavalo correndo fazendo uns barulhos estranhos, quem não conhecia ficava assustado com tantos sons vindo da noite...
De manhã tudo era alegria, o galo acordava a todos de madrugada, o resto da bicharada parecia estar morrendo de fome, o dia parecia ter umas 72h no mínimo...
Quando chegavam as férias a casa da vó ficava cheia, cheia de visitas, de cores, de vozes e de alegria, felizes, as risadas podiam ser ouvidas de longe, eu nem podia dormir lá, mas não ficava triste por isso, implorava para minha mãe e ela não deixava, falava que eu dormia lá o ano inteiro e que não havia mais espaço. Embora eu soubesse que havia, e depois para mim não haveria tanta graça em dormir depois que todos íriam embora... as férias eram curtas logo voltávamos a mesmice da qual hoje sinto muita saudade.
Terra vermelha, Colônia Bom Dia, que nome mais lindo!
Lá fica o sítio Bom Dia bem ao lado a fazenda Vaca Branca, graças ao fantasma da vaca que morreu no parto.
Falando em fantasmas nossas casas eram rodeadas por cemitérios, túmulos. Eu e minhas primas roubavamos os vestidos que enfeitavam as cruzes para fazer roupas de boneca!
O pior dos fantasmas eram os vivos...
Meu vô Bininho gostava de uma viola, todo dia no final da tarde, ele lá pelas quatro da tarde, tomava banho, colocava uma calça, uma camisa e chinelos havaianas, pedia para a vó Maria preparar o chimarrão para esperar o seu compadre, seu Laucídio, que chegava todo alinhado à cavalo com seu chapéu Panamá que ganhara do seu filho médico, e os dois colocavam duas cadeiras uma de frente para outra e lá ficavam tocando até escurecer. Com ou sem platéia, assim era todo sagrado dia.
Aindo hoje quando sonho, viajo flutuando e fico vendo tudo do alto, ouvindo tudo ao mesmo tempo, e o tempo continua a não passar por lá!
(Heretoyama)

17.11.09

Foto: Sol

manguetown

Estou enfiado na lama
É um bairro sujo
Onde os urubus têm casas
E eu não tenho asas
Mas estou aqui em minha casa
Onde os urubus têm asas
Vou pintando segurando as paredes do mangue do meu quintal
Manguetown
Andando por entre os becos
Andando em coletivos
Ninguém foge ao cheiro sujo
Da lama da Manguetown
Andando por entre os becos
Andando em coletivos
Ninguém foge à vida suja dos dias da Manguetown
Esta noite eu sairei
Vou beber com meus amigos
E com as asas que os urubus me deram ao dia
Eu voarei por toda a periferia
Vou sonhando com a mulher
Que talvez eu possa encontrar
Ela também vai andar
Na lama do meu quintal
Manguetown
Fui no mangue catar lixo
Pegar caranguejo, conversar com urubu
(Nação Zumbi)

Foto: Sol

16.11.09

sei que vou morrer,
todos vamos,
na solitude da morte,
que seja realmente eterna, 
paraíso,
tenho remorso em pensar,
tudo é ilusão,
nem meu corpo é real,
real a alma,
o que vem de dentro,
vivemos uma peça,
grande cenário foi montado para nós simples mortais,
hipócritas, escravos, políticos, bestas, insuportáveis,
sentir-se acima...
mas acima de que?
para que?
para quem?
cadê o sentido dessa grande desilusão?
cadê meu espírito tão poderoso?
cadê minha alma?
cadê as respostas?
quem quer saber?
bendita alma que viaja enquanto durmo!
no sonho, nos sonhos, eu posso voar,
posso ser tudo o que quiser,
posso até encontrar quem já morreu,
falo com Deus e com o Diabo,
pulo do penhasco sem me machucar,
faço amor todos os dias,
vivo sem dinheiro e sem melancolia,
porém as vezes tenho pesadelos,
onde tudo é obscuro, sinistro,
morro e vou para o inferno,
vejo sangue, vejo florês secas e animais mortos,
perco a alma, fico com medo de não voltar!
vivendo ou morrendo,
nada somos,
somos o que pensamos ser,
mas não pensamos nada,
não criamos,
só copiamos o tempo todo!
merda de sistema,
vou virar índio, cobra, onça,
vou ser canibal, árvore, lagarto,
quero gritar bem alto,
subir na montanha,
me jogar, virar pó,

mato, evaporar,
nunca mais pensar,
pensar para que?
para ficar louca?
preciso de espaço,
preciso de ar,
preciso de horizonte,
preciso ser gota d'água,
me perder numa cachoeira,
não sou nada mesmo,
sou apenas ilusão de óptica...
sou vagalume de noite
e perco o brilho de dia!

(heretoyama)

6.11.09

a fada das crianças

Do seu longínquo reino cor-de-rosa,
Voando pela noite silenciosa,
A fada das crianças vem, luzindo.
Papoulas a coroam, e, cobrindo
Seu corpo todo, a tornam misteriosa.

À criança que dorme chega leve,
E, pondo-lhe na fronte a mão de neve,
Os seus cabelos de ouro acaricia –
E sonhos lindos, como ninguém teve,
A sentir a criança principia.

E todos os brinquedos se transformam
Em coisas vivas, e um cortejo formam:
Cavalos e soldados e bonecas,
Ursos e pretos, que vêm, vão e tornam,
E palhaços que tocam em rabecas…

E há figuras pequenas e engraçadas
Que brincam e dão saltos e passadas…
Mas vem o dia, e, leve e graciosa,
Pé ante pé, volta a melhor das fadas
Ao seu longínquo reino cor-de-rosa.
Fernando Pessoa

raízes do passado!!!

Los Guaraníes en Corrientes

Antiguos dueños de la región, los Guaraníes caracterizaron culturalmente este territorio, marchando a la par de las aguas de los ríos Paraguay, Paraná y Uruguay.

Dedicados a la caza y a la pesca, aprovechaban además las frutas silvestres y la abundante madera que le brindaban los montes cercanos.

Los Guaraníes crearon una forma propia de comunicarse, identificando a través de esta a los ríos, arroyos, lagunas, cerros, montes y sitios significativos de su entorno.

El Payé de Corrientes
Por poseer grandes conocimientos acerca de herboristería, y por ser reconocido como un médico sanador del cuerpo y del alma, el payé era respetado por sus pares.

Dentro de la comunidad guaraní se creía que el payé tenía en su haber cierto tipo de poderes y la capacidad de causar la muerte, de comunicarse con los muertos, de modificar el curso de la naturaleza, y la habilidad de provocar o curar enfermedades.

El consumo de hierbas y hongos de propiedades alucinógenas era utilizado por el payé y generaba una atmósfera irreal que arrastraba a los integrantes de la comunidad a vivenciar experiencias místicas.
Fonte: http://www.corrientes.com.ar/guaranies.htm

7.10.09

Foto: Sol

acorda, maria bonita

Foto: Sol
Acorda Maria Bonita / Levanta vai fazer o café
Que o dia já vem raiando / E a polícia já está de pé
Se eu soubesse que chorando / Empato a tua viagem
Meus olhos eram dois rios / Que não te davam passagem
Cabelos pretos anelados / Olhos castanhos delicados
Quem não ama a cor morena / Morre cego e não vê nada

marias amam, se doam por completo.

Foto: Sol

o cântico da terra

Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranqüila ao teu esforço.
Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.

Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.

E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranqüilo dormirás.

Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos.
(Cora Coralina)
foto: sol

Para entrar em estado de árvore é preciso
partir de um torpor animal de lagarto às
3 horas da tarde, no mês de agosto.
Em dois anos a inércia e o mato vão crescer
em nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até
o mato sair na voz.
(Manoel de Barros)

2.10.09

o violeiro


foto: solange bouffay

canção do violeiro

Passa, ó vento das campinas,
Leva a canção do tropeiro.
Meu coração 'stá deserto,
'Stá deserto o mundo inteiro.
Quem viu a minha senhora
Dona do meu coração?

Chora, chora na viola,
Violeiro do sertão.

Ela foi-se ao pôr da tarde
Como as gaivotas do rio.
Como os orvalhos que descem
Da noite num beijo frio,
O cauã canta bem triste,
Mais triste é meu coração.

Chora, chora na viola,
Violeiro do sertão.

E eu disse: a senhora volta
Com as flores da sapucaia.
Veio o tempo, trouxe as flores,
Foi o tempo, a flor desmaia.
Colhereira, que além voas,
Onde está meu coração?

Chora, chora na viola,
Violeiro do sertão.

Não quero mais esta vida,
Não quero mais esta terra.
Vou procurá-la bem longe,
Lá para as bandas da serra.
Ai! triste que eu sou escravo!
Que vale ter coração?

Chora, chora na viola,
Violeiro do sertão.
(Castro Alves)

1.10.09

amazônia poética!


IV
Caçador, nos barrancos, de rãs entardecidas,
Sombra-Boa entardece. Caminha sobre estratos
de um mar extinto. Caminha sobre as conchas
dos caracóis da terra. Certa vez encontrou uma
voz sem boca. Era uma voz pequena e azul. Não
tinha boca mesmo. "Sonora voz de uma concha",
ele disse. Sombra-Boa ainda ouve nestes lugares
conversamentos de gaivotas. E passam navios
caranguejeiros por ele, carregados de lodo.
Sombra-Boa tem hora que entra em pura
decomposição lírica: "Aromas de tomilhos dementam
cigarras." Conversava em Guató, em Português, e em
Pássaro.
Me disse em Iíngua-pássaro: "Anhumas premunem
mulheres grávidas, 3 dias antes do inturgescer".
Sombra-Boa ainda fala de suas descobertas:
"Borboletas de franjas amarelas são fascinadas
por dejectos." Foi sempre um ente abençoado a
garças. Nascera engrandecido de nadezas.
(Manoel de Barros)

30.9.09

pensamentos vagos

olhares, um dia chuvoso, chuva fina, suave, quase véu,
um instante, brilho nos olhares, sente-se um calafrio,
uma revoada de pássaros sai voando, levando o pensamento,
voando em curvas, dançando com a sintonia do vento,
ao redor tudo parece mais extasiante, mais singular, menos breu!
chuva mansa, chuva que marcará para sempre uma primavera tão incomum,
gosto especialmente das florês,
porém, levar a lembrança da chuva é paradoxal.
sem o fervor de uma paixão,
é um desejo incomparável, sem denominações,
como se as palavras fossem inúteis, e as frases incompletas,
no calar da noite passar do ser que sonha a ser sonhado,
levar-se no vácuo do pensamento,
encontrar todos os desejos mais secretos,
na roda de pensamentos vagos.

(horetoyama/ sol/ itãu küsügü)

maria que ri...

foto: solange bouffay

diário de bugrinha

1925
22.1
O nome de um passarinho que vive no cisco é joão­ninguém. Ele parece com Bernardo.
23.2
Lagartixas têm odor verde.
2.3
Formiga é um ser tão pequeno que não agüenta nem neblina. Bernardo me ensinou: Para infantilizar formigas é só pingar um pouquinho de água no coração delas. Achei fácil.
23.2
Quem ama exerce Deus — a mãe disse. Uma açucena me ama. Uma açucena exerce Deus?
2.3
Eu queria crescer pra passarinho...
5.3
A voz de meu avô arfa. Estava com um livro debaixo dos olhos. Vô! o livro está de cabeça pra baixo. Estou deslendo.
5.6
O frio se encolheu nos passarinhos. Ó noite congelada de jacintos! Eu estou transida de pétalas.
7.8
O pai trouxe do campo um filhote de urubu. Ele é branco e já fede.
12.8
As garças descem nos brejos que nem brisas. Todas as manhãs.
10.9
Um sapo feneceu 3 borboletas de uma vez atrás de casa. Ele fazia uma estultícia?
13.9
A mãe bateu no Mano Preto. Falou que eu não apanhava porque não dei motivo. Subi no pico do telhado para dar motivo. Aqui de cima do telhado a lua prateava. A mãe disse que aquilo não era motivo.
19.9
Uma égua iniciava meu irmão. O pai ralhou com ele. Meu irmão foi entrando para inseto até desaparecer. Ficou dentro do mato até amanhã.
1.1
O Bernardo fala com pedra, fala com nada, fala com árvore. As plantas querem o corpo dele para crescer por sobre. Passarinho já faz poleiro na sua cabeça.
2.2
A mãe disse que Bernardo é bocó. Uma pessoa sem pensa.
5.2
Sem chuvas, já reparei, as andorinhas perdem o poder de voar livres.
29.2
Hoje o Lara morreu picado de cobra. Fizeram seu caixão de costaneiras. Meu avô encostou no caixão. Ué, eu que morri e quem está no caixão é o Lara! Meu avô enxergava mal.
2.1.1926
Catre-Velho é um ser confortável para moscas. Ele nem espanta algumas.
12.1
Choveu de noite até encostar em mim. O rio deve estar mais gordo. Escutei um perfume de sol nas águas.
1.3
As árvores me começam.
1.4
Uma violeta me pensou. Me encostei no azul de sua tarde.
10.4
Os patos prolongam meu olhar... Quando passam levando a tarde para longe eu acompanho...
21.4
Pensar que a gente cessa é íngreme. Minha alegria ficou sem voz.
22.4
Hoje completei 10 anos. Fabriquei um brinquedo com palavras. Minha mãe gostou. É assim:
De noite o silêncio estica os lírios.


(Manoel de Barros)

Extraído do "Livro Sobre Nada" (Arte de Infantilizar Formigas)




29.9.09

córrego jogui... ouço nossas risadas!

foto: solange bouffay

guavira


foto: solange bouffay

A fruta nativa que cobria boa parte do território de Mato Grosso do Sul e que desapareceu quase por completo, pode ganhar um impulso da ciência para resistir e virar uma cultura em escala comercial. Técnicos do Centro de Pesquisa e Capacitação da Agraer (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural) trabalham em um experimento que avalia as melhores condições para o desenvolvimento de mudas de guavira, chamada uva do cerrado, pequena fruta de sabor adocicado.
A pesquisa é desenvolvida em parceria com a UFGD ( Universidade Federal da Grande Dourados) com recursos do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

A responsável pelo projeto, Ana Cristina Ajalla, conta que a busca é por variedades resistentes e produtivas. "O que se leva em conta nestas avaliações periódicas são características como a altura das plantas, o número de folhas, o tamanho das folhas e o diâmetro do coleto. No final das avaliações pretende-se identificar em qual tipo de substrato e com quais condições de luminosidade a planta se desenvolve melhor", explica Ajalla.

O experimento concentra-se no teste de seis diferentes tipos de substratos e de três níveis de luminosidade. Para realização da pesquisa foram plantadas 570 mudas.

A preservação da espécie é o objetivo principal que moveu os pesquisadores. "Para que não entre em extinção é necessário que a guavira saia da condição de extrativismo e passe a ser produzida comercialmente", ressalta. A previsão é de que o projeto seja concluído num período de três anos.

Após isso, a pesquisadora pretende iniciar novos estudos com a guavira. Um deles será feito por meio da coleta do fruto nas regiões de Campo Grande, Dourados e Bonito, com o objetivo de identificar as diferenças encontradas no desenvolvimento do fruto de uma região para outra.

Outro estudo se concentrará na análise das condições de germinação da planta. "A guavira é uma espécie que apresenta um alto nível de perda na etapa da germinação. O objetivo, com este estudo, será o de analisar se a espécie é suscetível a doenças e criar mecanismos para diminuir esta perda", conclui. (Com informações da assessoria)


Fonte: Midiamax / João Prestes

marias que ficam e outras que se vão...

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Vó Maria

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